Eu-lírico do Blog

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São Carlos, SP, Brazil
Tenho um coração mais mole que sagu e muitos cachinhos que contam histórias. Do resto, sou metida, fresca e vivo no mundo da lua. Fim.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

"Ame-o ou deixe-o"


Foi em uma tarde ensolarada de julho, o ano era de 1965. Como a porta da casa estava aberta, não houve barulho. Quando dei por mim, meia dúzia de militares encontravam-se no meio da sala. Não foi preciso alvoroço pois não houve resistência da minha parte. Eu me rendi, afinal já sabia que aquele era o resultado das provocações feitas pelo meu irmão.
Ele estava no Uruguai há quase um mês. Sua decisão pela fuga se deu logo após a primeira vez em que os militares invadiram a nossa casa. Com sorte, ele conseguiu escapar, mas toda aquela sorte se dissipou no dia em que me levaram.
Tudo começou um ano antes de sua fuga. Augusto achava honesto posicionar-se contra o regime militar através de seu trabalho. Ele foi um grande jornalista, o melhor que conheci. E como se não bastassem os artigos diários que ele publicava em sua coluna, ele também integrou-se ao Movimento Nacionalista Revolucionário. Portanto, eu sabia, não era por acaso que aqueles militares estavam ali. Prendendo-me não restavam dúvidas de que chegariam até Augusto. O que de fato aconteceu.
Leonardo, um amigo de Augusto, que morava conosco desde a morte de nossos pais, logo soube de minha prisão. Ele escreveu uma breve carta e enviou-a a Augusto o mais rápido que pôde. Augusto contou-me uma vez que essa carta representara sua sentença de morte. Ele, que sempre resignava sua vida por mim, viu-se entre a liberdade e a coação. Mas não teve escolha.
Imediatamente Augusto retornou ao Brasil e rendeu-se. Minha prisão fez quebrar seu juramento de que não pisaria nesta terra enquanto aqui rondasse a ditadura.
Ao voltar, foi obrigado a deixar seus sonhos e seus planos do outro lado da fronteira. Entregou-se e eu fui libertado. Porém, Augusto foi proibido de voltar a escrever e, se a carta que recebera de Leonardo fora para ele uma sentença de morte, não ter o direito de expressar-se significava a própria morte. Contudo, a ditadura era basicamente isso: éramos coagidos a não expressarmos nossas ideias e a não vivermos segundo os nossos reais valores. Éramos submetidos a viver uma verdadeira cidadania de papel.

domingo, 21 de novembro de 2010

De Bandeira para nós

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

domingo, 17 de outubro de 2010

Amanhã

Ontem mesmo me vi ansiosa, pensativa... ociosa (trago essa palavra aqui para definir minha despedida ao bom e velho ócio). Mas isso é normal tratando-se de um novo emprego. E não era apenas um "novo emprego", era mais que isso, era o meu "primeiro emprego".
Foi tudo tão rápido. Explosão. Em uma sexta-feira meu irmão falou sobre a proposta. Na segunda, depois do almoço, lá estava eu. Eu desenhei mentalmente o que iria vestir. Mecanizei o percurso daqui até lá e de lá até aqui. Agendei meus novos horários e minhas pequenas folgas. Não tem erro - pensava.
É uma situação realmente embaraçosa essa coisa de primeiro emprego. Quando - quase que me arrastando - me vi porta a dentro da loja, minhas mãos pesavam mais que todo o resto do meu corpo. Essa sensação é sabidamente detestável. Odiável. E, na maioria da vezes, não sei onde devo enfiá-las. Nem lembro ao certo o que fiz. Só sei que os diálogos que travei ali foram quase que gemidos. Até então, o que despertava minha atenção eram os rostos. Unicamente eles. Aqueles rostos que me rodearam durante anos, e, que agora, ficarão comigo para sempre.
O tempo passou, e, enquanto o tempo passava, uma mistura incrível de aprendizagens, alegrias, tristezas, amizades, descobertas...
Ah, foram tantas coisas! E, enquanto o tempo passava, tudo isso tomou conta de mim.
Agora vejos as coisas fugindo do meu alcance e de uma forma que jamais pensei que aconteceria.
Eram apenas quatro horas por dia. As quatro horas mais longas do meu dia. E acabou. Nunca desejei tanto que um cliente chato e carrancudo aparecesse na minha frente com uma lista maior que eu. Mas agora, acabou. Só posso seguir em frente.
A loja vai ficar lá, em seu lugar. Mas as experiências e as pessoas que me acompanharam durante tanto tempo vêm comigo.
Amanhã não vou encarar o relógio da mesma maneira. Produtos que um dia foram insignificantes pra mim, amanhã ganharão outro valor. Minha mesinha, a minha letra esquisita nas etiquetas. Tudo vai ser diferente.
Começou com uma explosão e é assim que vai terminar.
Quando eu me ver porta a fora, sei que vou pensar. Como foi bom!
Talvez eu não saiba o que fazer com as minhas mãos, talvez amanhã elas nem pesem tanto assim. Mas carrego sempre minhas dúvidas.
Quero sentir a tarde passar bem devagar. Quero sentir a vida, mais uma vez, se despedindo de mim. E quero, com todas as minhas forças, entender esse negócio de saudade. Nem chegou e já começou a me atormentar.

sábado, 2 de outubro de 2010

Quanto ao futuro


Já faz um tempinho, li um livro da Clarice. Um verdadeiro clássico. Chama-se A Hora da Estrela. Me apaixonei pela história, e, mais do que isso, por uma personagem - Macabéa.
Agora me pergunto - tem como a gente sentir saudade do futuro? - Macebéa sentiu. E, depois desse súbito trauma pós-literatura, chego a conclusão de que sim, todos sentimos. Mas isso a gente só consegue confirmar quando chega a nossa hora de brilhar, assim como Macabéa brilhou.
Não que todos teremos um infeliz desfecho tal qual a alagoana teve. Ela nasceu para o abraço da morte, não há dúvidas. Quanto a nós, para o abraço da vida. Mas será que existe mesmo diferença? Ao menos fazemos com que seja diferente?
Macabéa viu, sorriu, se apaixonou, sonhou...sofreu...
Embora para o restante do mundo ela fosse uma simples nordestina, a qual não vivia, mas sim sobrevivia, Macabéa era mais. Ela mal tinha consciência de existir, mas, sobretudo, quem de nós tem plena consciência de ser?
Macabéa nada mais é que um auto-retrato de nossa alienada humanidade. Uma humanidade estereotipada pela mídia, na qual ser uma estrela de cinema seria o sonho máximo, e, totalmente inalcançável para um simples mortal. "Simples mortal". Pois é, acho que mereçemos mais que isso.
Nós vivemos maçantes rotinas, assim como a datilógrafa viveu. E, ao chegarmos ao mundo, deixamos que as "Rádios Relógios" da vida aponderem-se de nós. Aceitamos, assim como Macabéa que, cachorro-quente e refrigerante sejam nosso único sustento. Portanto, não me assustaria ao ouvir alguém que, em seu último sopro de vida, repetiria a frase - Quanto ao futuro.
É. Saudades do futuro. A vida é mesmo um soco no estômago.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Depois

Minha vida está uma completa bagunça. Não que algum dia ela tenha sido organizada, mas, pelo contrário, essa bagunça é gradativa. O tempo passa, os compromissos surgem, as responsabilidades evoluem e lá se foram as minhas 24 horas. Chega ser engraçado, mas, teoricamente, meus dias têm muito mais que meras 24 horas. E é tanta coisa, que lá se foram todas elas. O tempo é traiçoeiro. E, eu, desorganizada. Mas, enfim, é assim.
Não tenho tempo pra blog, música, estudos, amigos. E normalmente só me agendo pra depois. Aliás, estou num estágio avançado, só tenho horário vago depois que o depois acabar.
É. Até esse post chega a me envergonhar. Quase um mês e nada. Continua parado. Congelado. Resolvi postar. Quem sabe assim eu me animo e valorizo mais o hoje, o agora. Ou, então, que fique mesmo pra depois.

domingo, 1 de agosto de 2010

Frustração, Masoquismo e Úlceras Aftosas

Absurdamente pequenas, terrivelmente irritantes. Milhares de soluções, todas elas deploráveis. Própolis, Xilocaína, Triancinolona Acetonida. Até folha de violeta me indicaram. É, coisa de vó. Mas e se a dor persistir? Por que não tentar? Vinagre, sal, limão. Qualquer coisa que a queime - é o que dizem. Dizem. Mas não é fácil assim. E o medo da dor? Pode arder. Pode não. Vai arder.
Pra ajudar, meu corpo reage com contrariedade. O intelecto manda, a língua não obedece. Comportamento cinestésico? Ou o problema é masoquismo? É preciso sentí-la. Não basta saber que ela está ali. Então, a língua a alcança. A saliva a atinge. O incêndio começa. Não há o que o apague. As lágrimas embaçam a vista. Na certa, querem apagar o tal fogo. Pena que a tentativa seja inútil. Afinal, lágrimas não têm poder de cura. E se tivessem? Seria o suficiente? Creio que não. Não tratando-se delas.
Boto minha cabeça pra funcionar. E ela dá milhares de voltas na tentativa de encontrar uma explicação. O que ela faz ali? Por que eu? O que eu fiz? É problema emocional? Lesão? Infecção? Foi algo que eu comi? Beijo? Ah, beijo não. Mundança hormonal? Também não. Sua origem é - quase sempre - desconhecida. Mas tanto faz. Daqui a pouco a dor passa. Será? Não sei e não se pode ter certeza.
O que eu sei é que essas aftas me colocam pra pensar. E me incomodam extremamente. Profundamente. Eu reconheço os seus primeiros sinais e minha vida se desmorona. Não consigo ficar em paz. Não consigo ser a mesma. Não com elas ali, ou, melhor, aqui. Mas a vida continua. A gente que se acostume.


domingo, 25 de julho de 2010

O Problema do Goleiro

Ele não poderia ter tido uma infância mais infeliz. Abandonado pelos pais, ambos violentos, ambos transgressores. A mãe, usuária de cocaína, tentara matar uma mulher; o pai tinha sido, mais de uma vez, acusado de furto. Fora criado pela avó, em circunstâncias difíceis.
Como muitos pobres meninos brasileiros, depositara todas as suas esperanças no futebol. E, como alguns raros meninos brasileiros, conseguira transformar esta esperança em realidade. Tornara-se goleiro de um clube, ganhava muito dinheiro, era famoso. Um triunfo até simbólico: a vida, violenta e peversa, lhe desferia violentos petardos? Pois ele os agarraria de qualquer jeito, defenderia bravamente sua meta. Que viessem os inimigos.Que viessem com tudo, com seu poder, sua raiva, sua insolência, sua agressividade: por ele, bola alguma passaria.
Em suma, era um vencedor: morava bem, tinha bons carros, amigos. E, ah, sim, mulheres. Todas as que quisesse, as mais belas, as mais tentadoras.Foi assim que conheceu a bela modelo, e com ela viveu tórridos momentos.
E aí, nesta vida de sonho, pela primeira vez teve um pesadelo. Estava num campo de futebol pequeno, desconhecido. Nas arquibancadas, não a habitual massa de torcedores; ali estavam o pai, a mãe, a avó, os vizinhos pobres que conhecera na infância, todos a fitá-lo, imóveis, em silêncio. E. no gramado , um homem, que deveria ser o juiz - pelo menos tinha um apito -, mas que o mirava de maneira severa, como se fosse um juiz de tribunal.
Uma partida de futebol, decerto, mas estranha: não havia dois times em campo. Só ele, guarnecendo a meta; a sua frente, vestindo um grotesco uniforme esportivo, estava a moça com quem tinha um caso. Ela, seguindo as instruções do árbitro, estava colocando a bola na marca do pênalti.
Ele não conseguia entender o que se passava. Por que a penalidade máxima? Quem havia cometido a grave falta? Ele? Como? Mas isso não era importante. Um pênalti ia ser cobrado, e ele o defenderia. Chute de mulher? Brincadeira. Até de olhos fechados. Em casos assim, ele se colocava no lugar do adversário e procurava deduzir que canto da meta seria visado; quase sempre raciocinava corretamente. Astúcia para isso era coisa que não lhe faltava e o resultado era uma defesa brilhante. Agora, porém, tal não estava ocorrendo.
Os desígnios daquela mulher, uma mulher com quem dormira, e que julgava conhecer. lhe pareciam insondáveis. Não tinha a menor ideia do que ela faria. A fúria apossou-se dele. Só queria uma coisa: matar aquela maldita, acabar com o problema que ela representava. Se tivesse uma arma...
Acordou arquejante, suando frio. Aliviado, deu-se conta: aquilo não passara de um sonho mau. Suspirou fundo, virou-se para o lado, disposto a dormir mais um pouco. Mas nesse momento o telefone tocou. Atendeu. Era uma voz feminina, uma voz conhecida.
"Estou grávida", ela disse.

De Moacyr Scliar, colunista do jornal Folha de S. Paulo.

sábado, 17 de julho de 2010

Os Lunáticos Sabem

Qual a hora certa para escrever? Rotineiramente questiono-me com essa mesma pergunta, que na maioria das vezes, parece não ter uma resposta concreta.
Desde que me entendo por Raquel, penso que a inspiração vem quando menos se espera, e, desde então, tenho ligado este raciocínio ao meu lado sentimental. Na verdade, acredito que a maioria das pessoas sejam assim. Quando a gente se apaixona, por exemplo, é quase tão impossível esconder este sentindo, quanto não transmití-lo mesmo que indiretamente através das palavras. Não é por acaso que as canções, filmes e consequentemente quase tudo ao nosso redor seja, em grande escala, sobre o amor. Mas aqui não teremos esse problema, creio eu. Felizmente ou não, nunca fui boa com as palavras, pelo menos não o bastante tratando-se de amor. Mas essa é outra história.
Agora, voltando ao ponto inicial, não acho que exista hora certa ou errada para se escrever. Pode ser coisa de momento, eu sei. E costumeiramente, tenho tido provas concretas a respeito. Provas que se dão através dos meus surtos como Lispector. Seja ao observar um cachorro atravessar a rua, seja ouvindo o que minha mãe tem a dizer. Crio grandes crônicas na cabeça, sem o mínimo de talento com as palavras. Sem o mínimo de esforço.
Não é fácil mostrar o que está estampado na nossa alma. Mas escrever não é nada mais que isso. Embora seja complicado traduzir com palavras o que atormenta nosso pensamento e por mais complexo que possa parecer, não devemos ter medo de nos entregar. É como já dizia Fernando Pessoa: "A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono."
Às vezes, fugir um pouco do cotidiano ou interpretá-lo mais a fundo é preciso. Voar não custa nada e com as palavras despertamos as asas oferecidas pela nossa imaginação. Afinal de contas, o que seria de nós se não pudéssemos fugir de vez em quando?

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Meu Querido Novo Blog

Começar é sempre tão difícil. Mas faz parte do processo. A gente se apresenta, interage, demostra, surpreende, derruba,conforta, chega a ser contraditório, mas é assim. E eu prefiro assim. Gosto dessa contradição, desse ritmo que tanto me complica, desse desassossego que tanto me perturba. Gosto das coisas acontecendo. Mas, por pura infelicidade, não vivo plenamente meu presente. Tenho um pé aqui, mas minha cabeça anda longe, entre meu passado, meu futuro e sabe-se lá onde mais. Talvez no meu novo começo. Estou sempre recomeçando. E talvez este seja um recomeço. Ou não. Talvez seja só uma tentativa. Em outras palavras, uma raquelice. Mas tanto faz.
O que é importante ressaltar, é que eu tinha um blog, do qual me desfiz. Raramente eu postava alguma coisa se é que os pouquíssimos posts valeram algo - mas enfim, raramente. Raramente. Existe palavra mais morna que essa? Pois então. Preferi me desfazer do antigo blog e agora, pautada nas minhas antigas - se é que existentes experiências como "blogueira", recomeço a postar aqui. Ou, ao menos, tento. E para isso, me desfaço do velho e de olhos vendados mergulho no novo.
Enfim, por mais que tenha ficado uma bagunça, esse não deixa de ser um post. Talvez não tão bom quanto deveria ser. Mas, ainda assim, um post. Um post perfeito, mesmo na sua imperfeição. Afinal de contas, esta confusa estrutura textual tem mais poder que as próprias palavras. Pelo menos tratando-se de uma pessoa assim... tão morna quanto eu. Mais morna que a própria palavra "raramente", talvez. Talvez.